terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Só Isso?



"Desejo. Necessidade, vontade... Necessidade, desejo." O texto começa ritmado ao som dos Titãs e pega emprestado do mofo da filosofia as palavras de Epícuro: "A necessidade é um mal, mas não há necessidade alguma de viver sob o império da necessidade". Ora sim, mas que queres com isso? Perguntaria-me você... Não sou o gênio da lâmpada, mas peço que pense numa vontade, um desejo e uma necessidade, é pessoal e bem rápido, anote se faltar a memória. Tentarei desvendá-los assim, genericamente.
A vontade é o instante, é a juvenil teimosia de um "não tô com vontade", é o que dá na telha que não é antena nem teia de aranha, é um flash. "Vontade é coisa que dá e passa", ditado popular. O desejo tem seu quê de utopia, de esfregar a lâmpada, de impossível, de gestante na madrugada. Mas se deseja também por hábito: deseja-se "feliz alguma coisa", daí o desejo é quase um mantra. E a necessidade? A necessidade grita, está exposta, precisa ser vista, sentida, sanada. A necessidade é carecer de, é a placa de "precisa-se", é o instinto: comida, bebida, roupa, saúde, sexo, cultura, lazer, moradia, educação, saneamento, quantos outros...
A necessidade é o imprescindível, é do que não se pode viver sem.
O porquê desse giro em torno de si, caro leitor, respondo com uma pergunta: Você já sentiu que alguns de seus desejos e vontades transformaram-se em necessidades? Não digo dentro de um processo de amadurecimento, mas sim repentinamente: nosso modo de vida nos hipnotiza e a propaganda sutilmente chega como uma sereia cantante convidando-lhe à caça de coisas que nos caçam, que nos pescam pelas pestanas.
É Dezembro, nos corredores as pessoas acotovelam-se, eu era o 26º da fila, LOJAS AMERICANAS. Minhas compras cabiam na palma de minha mão, eram tão somente dois cartões de Natal. Geralmente vou em busca da arte, do artesanato, do discurso cuido eu que essa coisa de frase-padrão não é pra mim: dou lá meu jeito de meter meus próprios versos, tem-se uma capa agradável, um desenho vistoso, um destino certo... Observava durante a peregrinação da espera alguns sortudos (ou menos azarados) à minha frente caindo na armadilha nos labirintos decorados com chocolates, enfeites, revistas de fofoca, horóscopos, e tome cesta cheia! Bombas potentes e alvos fáceis... O fato é que os cartões, que já me serviam de leque pra atenuar o calor que sentia, foram tratados com uma pontinha de desdém pelo caixa, que ao ver minhas mãos cheias de "apenas", "meros" ou "míseros" (lia-se em seu olhar), antes mesmo do "Boa Tarde", não titubeou ao questionar-me: - Só isso?
Não foi um "só isso?" como um "algo mais, senhor?", foi ultrajante, tinha um ar de menosprezo, uma coisa meio "não creio". Não sei se foi inocente mas soou criminoso.
Como é que você se "cents"? $$$... O trocadilho é ruim, mas oportuno.
Não me faço de rogado, destrincho um pouco do meu passado como prêmio a quem conseguir chegar até esta linha... Já coloquei sapatinho na janela, quis desfilar com roupa de marca, ser como os caras da tevê, mas sempre tinha pensamento crítico, mesmo que ainda imperceptível naquela idade. Lembro-me de como era divertido já saber "toda a verdade" aos 6 anos: que Papai-Noel, Coelhinho da Páscoa, Kombi que pega crianças , que nada!



Lá pelos 12 anos eu via as entrevistas dos boleiros famosos dizendo que pulavam o muro da estação do trem pra irem treinar. Desembestei-me a fazer o mesmo, com algumas adaptações, claro: combinava com o trocador dar-lhe meu passe escolar, passava por debaixo da roleta e em troca ganhava algumas moedas, metade do valor da passagem na época. Eis que assim enchi um estojo com as pratinhas e no final daquele ano comprei um par de chuteiras. Eram vermelhas, fariam-me voar na grama, chutar mais forte que os outros, fazer gols de bicicleta (pelo menos assim era o comercial)... Um dia meu pai descobriu o cambalacho, reprimiu-me proibindo-me de usar tal artimanha de lá em diante. Inocente, considerei aquilo uma injustiça e derramei boas lágrimas sem ter noção da minha mini-contravenção. Os gols de placa não vieram, eu já estava crescidinho demais pra passar por baixo da roleta, começei a gostar de livros e vendi minha chuteira pelo dobro do preço a um amigo (que espero, não esteja lendo essa história).
Sempre tive algo de construtivismo, um pouco da filosofia do "de grão em grão"... E com boas doses de vontade (ou desejo?) conseguia minhas bugigangas. Anotava a data das aquisições, assim foi com o primeiro tênis de marca, inocência tal misturada ao orgulho bobo: naquele mesmo ano descobrira nas aulas de Geografia o conceito de bem de consumo não durável, e que aquele par não tinha sido feito pra "sobreviver" mais que um ano. A data registrada ao menos serviu como documento e testemunha dos seus 5 ou 6 anos de vida, alguns passos em noites natalinas até querer pisoteá-las e escrever as primeiras canções críticas áquela data, assim já o fazia aos 18.
O fato é que ainda admiro certos planos de suavizar a ação dilacerante do capitalismo, quando estes, de alguma forma, conseguem prestar algum bem-estar à sociedade como um todo: Como não admirar o modelo T de Henry Ford? Padronizado, mas acessível ao bolso do operário da fábrica, 500 dólares e você poderia ter um carro de qualquer cor, desde que fosse preto.
Fracassos bem-intencionados também merecem citação: quando Getúlio era presidente, sonhava-se deixar nosso Natal menos coca-cola e mais guaraná. O Vovô-índio foi lançado com um penacho na cabeça para atender ás crianças, que assim como o novo personagem também "não tiveram saco" (pra suportá-lo). E o importado Papai Noel até que é útil para alguns, pois é uma espécie de Super Nany barbada quando os pais chantagiam os filhos: "se não se: comportar/comer tudinho/tomar banho não vai ganhar presente". Há métodos e métodos...
Enfim, amigo leitor, a melancolia e a solidão na multidão também já lhe assaltaram nessas datas? A mim, quase sempre. Hoje já não tenho mais sonhos de consumo (expressão horrível, diga-se de passagem), tenho sonhos de conforto. Minha bicicleta é 97 e andar a pé ao menos me serve a protuberar as panturrilhas. Ainda terei um carro, mas se me virem como o motorista da ilustração, creia que já rasguei até minha identidade. Não estampo mais marcas, não sou out-door humano. Preocupo-me quando leio Marx dizendo que as bases do amor não suportariam o modelo de vida do século atual.
E quanto ao cartão, creia: é o que há de mais nobre. É o que há de mais frágil e intangível ao mesmo tempo. Os outros presentes têm compromisso com a finitude no futuro: desgastam desbotam, traça, mancha, graxa... Quanto ás minhas palavras, aquelas do cartão já escrito , essas são da ordem do amor, de saudar aqueles que me fazem sentir acolhido, menos estranho, mais amado. E o seu destinatário sabe bem identificar-se. Das vontades, necessidades e desejos, suspeite... Da missão das minhas palavras, não, não duvide. E não é só isso... É isso tudo!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Pessoas do Século Passado (ou Regurgitofagia)



Gosto de algumas velharias, hei de confessar. Não tarda muito e lá estou fazendo referência a alguém que escreveu com a pena o que até as traças já roeram. Admiro a fineza de algumas palavras que se tornaram pouco usuais, as roupas vencidas pelo mofo no embate com a naftalina. Pessoas do século passado, retrasado até, que do passado todos nós que nascemos até 2000 somos. Pessoas de séculos passados, acrescenta-se um "s", nos aquietamos e seguimos o rumo da prosa... Insisto no título para desafiar o leitor a observar daqui a 10, não mais que 15 anos, a reação de seus filhos quando a nós se referirem, nós balzaquianos, quarentões até lá, some aí os anos e faça o cálculo. Pessoas do século passado! É com esse desdém que eles nos irão fazer menção. E caso tenha boa memória, avise-me se realmente ocorreu, mas faça lembrete pois só quero conclusões daqui a no mínimo uma década.
E é através da História, da herança que nos é deixada, que chegamos a um dos objetos do texto: o marco dos 60 anos de assinatura da Declaração dos Direitos Humanos pela ONU, e a palestra do professor Chico Alencar no auditório do Instituto Multidisciplinar da Universidade Rural sobre o assunto. O meio acadêmico nos proporciona boas oportunidades de interação, a mim prega também algumas surpresas: no momento exato em que exaltava as qualidades do professor a um colega, deparei-me com o mesmo passando por mim.
- Chico! Exclamei sem nem um pingo de inibição.
- Olá! Respondeu ele com naturalidade e um sorriso.
Apertei-lhe a mão e declarei minha admiração: - Falava nesse momento ao amigo do Senhor...
- Bem ou mal? Brincou ele...
Poucos minutos depois, eu, já posicionado de modo a armar meu arsenal a fim de registrar o máximo das palavras dele, envaidecia-me durante singelos dois, não mais que três segundos com a introdução de Chico já palestrando: "Como bem frisou o amigo, estou deputado, sou professor".
Era exatamente o que eu contava ao colega antes de encontrar Chico no corredor. Admiro a forma com que evidencia sua paixão pela formação acadêmica (História) e ao mesmo tempo torna clara a sazonalidade de seu cargo público (Deputado Federal pelo PSOL/RJ). Mas vamos a fundo que o leitor não pode cochilar...
Durante a palestra, Chico lembrou que a Declaração, assinada em meio aos escombros resultantes do final da 2ª Guerra Mundial, guiada pelo sofrimento social, foi traduzida mais que a própria Bíblia Sagrada. Em meio a um debate com os universitários, concluiu-se que o documento, criado para assegurar os direitos mais primordiais inerentes à sobrevivência humana, ainda era uma utopia em nível de realização do que apregoava. Encontraram-se também alguns vilões que propiciavam o status utópico à carta sexagenária: o modelo capitalista, a propriedade privada dos meios de produção e o esgotamento de recursos naturais por conta da ganância humana, aliados a alguns paradigmas compartilhados pela nossa sociedade, como o de achar que os Direitos Humanos foram criados para proteger bandidos. "Direitos Humanos só para humanos direitos", Chico lembrou da frase discriminatória e a impregnação do American Way of Life em nossas mentes. O professor deixou-nos a refletir com a frase de outro grande colega de profissão chamado Paulo Freire, que dizia: "A suprema vitória do dominador é introjetar-se no dominado".


Daí a frente, leitor, a indignação ganha dedos próprios, aconselha-se até a ida a tomar um café caso não queira ser visto refletido nos parágrafos próximos...
"Introjetar-se no dominado" é, em termos práticos, o eterno grilhão de uma colônia cultural onde se quer ser o que não é, ou o que se estimula a ser: "Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA de nove às seis", cantou Renato Russo em "Geração Coca-Cola". Somos o alvo da sedução medíocre do dinheiro, somos os peregrinos das compras nos Shoppings "Templos" Centers. Somos a auto-afirmação e o individualismo que nos coloca a cultuar infinitamente bens de consumo que são finitos, como se a aquisição contínua destes nos desse acesso à felicidade, onde a informação só gera ruído e a televisão projeta ídolos de lama, de fama fácil, de fome do 'seja como', 'seja ele', 'compre já', 'não perca', 'o que está esperando?'
Esperar então é o verbo preferido do nosso povo: espera-se uma vida biográfica mas tem-se apenas uma vida biológica, onde as condições materiais regem as condições subjetivas. Onde sofremos de "normose", a endemia do 'o que eu tenho a ver com isso?'. Esperamos por sermos passivos, esperamos sendo pacientes da nossa própria esquizofrenia, esperamos passos de progressos, mas ouvimos passos de preguiça, onde tudo passa, onde tudo pode, onde tudo pizza.
Onde há um século entre intenção, proclamação, gesto e ação.
Cito novamente o século, o passado, para falar de Oswald de Andrade, outro desses que só se têm registros em preto e branco, mas que as idéias seguem atuais: em 1928 Oswald escreveu o Manifesto Antropófago, que propunha a deglutição de influências estrangeiras que não deveriam ser negadas, mas ainda assim não deveriam ser imitadas. O país buscava identidade e na figura do índio canibal, que comia seres humanos não por nutrição, mas por querer incluir em si as qualidades do inimigo sem desprezar as suas, sem deixar de ser quem é: "Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o."
Em 2004, já no século vigente, o poeta Michel Melamed propôs a Rugurgitofagia, que seria então, uma forma de devolver, com quase um século de atraso, todos as superfluidades que a deglutição antropofágica nos fizera absorver, através de um estrondoso vômito. Porém, a raiz cultural parece nos ser tão entranhada, que somos consumistas desse próprio esterco, da sujidade imperceptível e saborosa. Então proponho, leitor amigo, antes do café que lhe propunha poucas linhas acima: vamos deglutir o regurgito, almoçar vômito e beber suco gástrico, temperar com ácido, a gula goela a baixo. Produzir o próprio alimento, produzir o próprio excremento, ciclicamente, consumo auto suficiente, fast-food físico.
Citando homens do passado, preso na fartura, preso no futuro.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Antes de mais nada, tudo...




Hoje acordei meio literário, com uma estranha vontade de ser lido. Acordei meio Assis sem Machado, acordei uma Pessoa que não era Fernando, acordei cheio de porquês e reticências...
Primeiro parágrafo é aquela coisa meio "oi, meu nome é...", "moro em...", "tô aqui prá...". Deixo essa missão para as certidões, os documentos ou os sites de busca. Posso dizer que adoro as metáforas existencialistas do Raul, do tipo: "eu sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar..." e isso faz com que eu esteja sempre me perguntando: "quem és tu?"
Preciso muito de ler, meus olhos são sedentos, há sempre um novo questionamento e estou sempre à caça das respostas, ainda que por vezes não as encontre nem nos livros. Sartre dizia que a dúvida é o preço da pureza, então, atrevo-me a dizer que a alegria é uma grande aliada da alienação: Olhe as crianças ao seu redor como riem. Olha a moça vadia, o menino arredio que a mãe vive dizendo: "se ajeita"... Olha a festa, o batuque, os sorrisos inocentes dos muitos que pouco ou nada sabem. Não considere isso ainda como uma crítica. Acalme-se. Respire....
Aos 8 eu queria ser gari, aos 10 motorista de ônibus, aos 16 jornalista e aos 18 Rock-star. Dez anos fazem com que a gente deixe de querer limpar os caminhos e queira que os outros limpem os nossos. Curioso... Aos 21 eu já queria apenas ser feliz, incondicionalmente. De um tempo pra cá eu quero amar. Quero que o amor mova todas as minhas ações. Reverencio o poeta que canta o amor como sendo a única revolução verdadeira. Precisamos sim da razão, mas desconfie que para cada decisão racional há uma questão emocional envolvida. Pergunte-se. Pergunto-me.
A minha segurança é sempre volátil, sou subjetivo e sei de toda doçura e amargor de assim ser.
Queria ter opinião para tudo: desde unha encravada até aplicação de ações na Bolsa. Em contrapartida, acho que um "não sei", de tão humanista, pode ser genial.
A gestação de um blog traz momentos de indagação: Pra quê? Por quê? A quem? Notou que há sempre mais perguntas? Responder nem sempre é satisfatório... Viva a pulga atrás da orelha da experimentação. Eu só tenho suspeitas, e dicas: minhas histórias do tipo "uma vez eu..." ou "eu já..." nunca empolgaram muita gente. Porém, eu preciso salvar o mundo! Não com teletransporte, capa e super poderes, mas sim com palavras, reflexão e sem a intenção de lança-los aos quatro ventos, mas no mínimo ás quatro esquinas, ao quarteirão. Na tentativa de revolucionar o metro quadrado seguinte. As grandes revoluções começam dentro de nossas mentes, de nossos quartos, de nossos bairros... Preciso acreditar na comunicação.
A escrita tem seu quê de clássico. A escrita nasce da frustração e do desejo, em simultaneidade: ela está entre o que não se fala e o que não se cala. Ter um blog é ao mesmo tempo inserir diversos ingredientes: a popularidade de um "Era uma vez", a inocência de um "Meu querido diário", o alarde de um "Preste Atenção" e a intelectualidade de um "Eis-me aqui". Eu sou música que contesta, sou uma banda sem contexto, sou o próprio texto, sou um livro-teste com um marcador no meio de suas páginas: talvez por nunca terminar, talvez por ter sempre muito a dizer, consciente também que posso ser deixado de lado num canto empoeirado ou ressoando num canto sonoro. A decisão é sua, leitor!
A quem necessita de respostas breves: Sou um compêndio lírico de escárnio e dor... Que tal?
Já diria Tom Zé "tô te explicando pra te confundir, tô te confundindo pra te esclarecer". Meus rascunhos são sempre escritos com letra feia, necessito sempre reler a mim mesmo. Talvez eu não me entenda, imagine você...