terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O dia em que te elegerem um herói



Dia desses estava numa festa infantil, no lugar preferido daqueles que já não desfrutam de tanta energia costumam instalar-se: sentado à mesa. De lá, reparava nas camisetas dos guris, estampadas com as imagens dos heróis atuais. Invejei os enfantes, pois lembrei-me que quando era um deles não havia assim tanta variedade de camisetas, mofadores, armaduras e afins. Pelo menos não que eu me lembre... Findo aqui o primeiro parágrafo antes de soltar um pomposo "na minha época", para que o leitor não vá lá imaginar que este que vos escreve já está gagá.
É curioso notar que a carência da nossa sociedade e a ânsia por soluções mágicas viabilizam a proliferação desses intrépidos seres. A sede é vasta, faz com que de tempos em tempos algumas promessas sejam transformadas em ídolos instantâneos: o novo Pelé, os novos Beatles! Quantos jogadores e bandas já não tiveram essa responsabilidade pra carregar consigo em pleno começo de carreira.
Se você tem mais de 30 anos de idade vai recordar de Sassá Mutema, o Salvador da Pátria do fim dos anos 80. Se já tem mais de pelo menos 10, deve ter ouvido falar do destemido Capitão Nascimento, o anti-herói mais idolatrado da década, até o surgimento, a candidatura e a confirmação da eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos e seu desafio de não apenas salvar a pátria, mas o mundo.
Pensei em padrões, imaginei algo como uma receita pra se fazer um herói, instantâneo, em 10 lições. "Receita pra se fazer um herói" então, soa tão bem que poderia ser até vendido como livro, o manual prático do herói. Algo como fez o Mestre Myiagi com Daniel Sam em Karatê Kid, quando o aprendiz tornou-se um campeão do esporte a partir de lições como: - Pinte a cerca! - Encere os carros! Lixe os assoalhos! Daí a angústia, a indignação e zás! Está diplomado mais um todo poderoso ao acaso, sem manual de instruções.



A angústia do carateca muitas vezes avizinha-se na minha mente. Sartre dizia que a angústia nasce das possibilidades, e eu, que na infância era daqueles que depois de assistir aos episódios, auto declarava-me o próprio herói e proferia o nome de cada golpe em um grito libertário, anos depois via-me diante dessa angústia. Sentia-me parte da narrativa de "Marvin", canção dos Titãs, quando se lia: "E então um dia uma forte chuva veio e acabou com o trabalho de um ano inteiro. E aos 13 anos de idade eu sentia todo o peso do mundo em minhas costas..."
Aí você se acostuma a ler bons livros, tirar boas notas, falar em público, passar em algumas provas e pronto: está eleito o novo mártir, a última bolacha do pacote, e aposta-se todas as fichas que você, sem capa ou cueca sobre as calças, salve a humanidade num raio mínimo de 10 metros de seus olhos.
E se na infância o Homem Gato, que testava suas vidas correndo diante dos carros correndo, era meu eu escondido, hoje, contra todos, contra o tempo, preciso salvar o mundo mesmo que não saiba ainda salvar a si próprio. O desafio é ainda mais instigante... Pouco faço pose, pouco faço tipo, assumo minhas fragilidades. Não confundir fragilidade com fraqueza: fragilidade é o quão rápido se chega ao âmago e nem sempre a fraqueza que sente quer dizer que a gente não seja forte.
Daí sou um pouco Chapolin Colorado, exponho à frente logo o que há de mais precioso: fica o coração estampado, armo-me desarmado, não tenho poder algum e tenho todos os poderes do mundo. Minha astúcia não se conta, tudo que é subjetivo é força, é o que faz a diferença, é um soco de sabedoria, é um tapa com peso de pena que não faz splish splash, mas te inebria como se a pena fosse esfregada diante de seu nariz.




Homem Primata, Homem Aranha, Homem Morcego, Homem Invisível, Homem de Aço, Homem do Saco, Homem Gol, Homem de Deus, Homem Biônico, Homem do Tempo, O Homem da Mala Preta, O Homem do Sapato Branco, O Homem da Máscara de Ferro, O Homem do Ano, Super Homem, O Homem Bicentenário, O Homem sem Sombra, O Homem de 6 Milhões de Dólares, O Homem que Copiava, O Homem que Calculava, O Homem que Desafiou o Diabo, Sujeito Homem, O Melhor Amigo do Homem, O Homem da sua Vida, O Homem que Sabia Javanês, O Homem que queria ser rei, O Homem que matou Getúlio Vargas, você é um homem ou um rato? Homens de honra ou de preto. Onze e um segredo.
E se os heróis e protagonistas são fincados nessa imagem do forte e invencível, vem as mulheres pra dizer: "Sou mais macho que muito homem" e o anônimo grita sua dor do Exército de Um Homem Só. Da pé também a estória do "Homem que acorda ás 4h da madrugada" ou "A Mulher que venceu um câncer" ou ainda "O Homem que vive com um salário mínimo". Todos nós somos ou conhecemos um herói menos famoso e temos um pouco de super-ultra-mega também.


Quanto a mim, daqui, sem muito poder, sei que ainda posso. Sei que há um poço e sei que há uma fonte. Sei que há uma ponte entre um lado e outro. Sei que a minha posse vem daquela fonte de onde me inspiro e vem como um espirro de tão natural, e daí minha força, pois não há muito a se esperar dos meus braços tão finos, só o que o divino pode possibilitar. Corre sangue nas veias saltadas. Verás que a força bruta nunca mesmo vencerá a inteligência. Tenho o beijo da mocinha no final. Fortifico-me. E sigam-me os bons.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Quem tem, tem... Quem não tem, tempo.



PROSA

Desafiei o Tio Sam, pouco era meu tio... Chamei-o pelo nome com a formalidade de um desconhecido: - Sr. Samuel, que apelido para um cara de barba e cabelos brancos não pega bem. O que não pegou também foi seu slogan, pelo menos não pra mim. Não quis me alistar no seu exército e achei defeito na sua frase de efeito: "Tempo é dinheiro". Ora, quem tem dinheiro lá tem tempo? Quem tem muito de um geralmente tem pouco do outro. Indignei-me e remeti-lhe carta.

Pois é...


POESIA

No buraco do mundo moderno não se tem tempo
Não se tem tampa
Só se tem tumba
Quanto mais se vôa mais se afunda

Não se encontra
Se trampa e se tromba
Se esbarra por aí
Consome a si e some, se compra.

Não se posta, não se gosta
Não se mostra, só se aposta
Fast-food, fast-love
Festa!

Não se comenta
Não se fomenta
Não se fermenta
Não se comanda

Come-se a fome para não tê-la
Engole-se a seco, sem suco

Não se tem tempo
Não se tem. Tem?
Se tem, pô!
Se tem pó

Quem tem seda seduz
Sádico

Big-Ben no meu bolso
Relógio me pulsa
Ponteiros no meu passo batem
Cuco, cuca, caco...

Não se tem tempo porque quer se ter.





CRÔNICA

Cronus
Taylor
ônus
honorários
onerados
Nero
tiques
taques


PRESO

Roda-viva. A quem me diz que a estrada é longa cobro-me a resolver tudo na próxima curva. Traçar a trilha, trilhar o traço. Reto. Problemas são perpendiculares, particulares, recuos, escapes, boxes... Há um velho eu não grisalho. Inovo: há velas ao vento e velocidade. Existem marés. Não tenho todo o tempo. Bebo leite longa-vida em copo de plástico: pouco deteriora-se, longe vai. Dá-me mais um século que eu sou um só. Dá-me rugas só nos dedos, pêlos brancos ralos... Dá-me luz, oh Deus do Tempo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pasárgada x Portão (ou A Dois Passos)



Essa é uma estória de se estar longe de casa há mais de uma semana, não a dois passos do... mas exatamente no paraíso. Aliás, tudo poderia ser resolvido com dois passos, imagine: Sua casa é o "Ponto A", o paraíso o "Ponto B" e entre eles um ponto médio "M". A cada ponto um passo, daí, do paraíso para casa são dois passos e vice-versa. Tão mais fácil...
Não queria dizer "bye-bye", tal qual a canção, hasteei a bandeira de Manuel Bandeira: "Vou-me embora para Pasárgada, lá sou amigo do rei.". Fui-me. No oásis fui a contramão da contradição: por nunca ter cedido aos hábitos e superstições populares sentia-me uma exceção. Por ter me rendido nessa oportunidade, fui exceção de mim mesmo, tudo fiz. Folhas de louro na carteira, sementinhas de uva devidamente guardadas anunciando algum vir-a-ser. Pulei as ondas, senti-me patético por fazer tudo aquilo que achava ridículo, mas fiz como antropólogo, confie!
Ás vezes temos que descobrir algumas sensações para descrevê-las e criticá-las como embasamento. Mas retiro tudo que disse se tudo der certo, creia ainda mais. Antes que eu me esqueça: não bebi antes de brindar, só molhei os lábios, disso estou quase certo.
O ano acabou, o ano começou e eu caí naquela velha armadilha do balanço comigo mesmo, dos consertos e das edificações, a angústia melancólica e a energia de se começar novamente do zero, ou melhor, do um, do um do um, pra ser mais preciso
.
Drummond mesmo já dizia: "Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão". A gente acaba precisando mesmo de ciclos, degraus, estágios, uma reta só cansa por demais, vira maratona. Gostamos dessas quebras, intervalos, pontos médios, só pra voltarmos à Geometria.



Na volta, a bandeira de Pasárgada não parou de tremular, estranhou-se tudo. A lembrança era forte, fazia um arraial em meus pensamentos. Não tinha aquela alegria do "Portão" do Roberto Carlos: "Eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo, minhas malas coloquei no chão e voltei. Tudo estava igual como era antes, quase nada se modificou, acho que só eu mesmo mudei e voltei."
Aqui a cachorra não me sorriu, nos trombamos em estranheza mútua, ela rosnava. E essas paredes? Esse computador? Não me reconheço também nessa morenisse, mas confesso que gostei do resultado. Com as pessoas de casa estou mais paciente, acho que essas férias baixaram minha guarda e despertaram o único saudosismo do que deixei.
Não sei se Freud explica, mas acho que realmente só eu mesmo mudei, ou mudou a mente. Aqui não me encontro, preciso de tempo para readaptar-me. De lá trouxe o encanto, o amor, pois pra lá também levei, este nunca me deixou.
Nossas ligações encontram-se no Equador da gente, mesmo que cada um surja de um Pólo diferente. Deixa que eu lavo as louças, ela faz meu ovomaltine quente. E ela está comigo, no portão ou no paraíso. E por assim ser, talvez o paraíso seja ela.
E voltei.