sexta-feira, 27 de março de 2009

Meu Relógio de Segundos



Eu tenho um relógio que só marca os segundos. Eu tenho um relógio que marca! Horas e minutos são sempre os mesmos: acordo ás oito, almoço ás doze, trabalho até ás dezessete, estudo até ás vinte e duas... Ciclo, chip, programa, não pise na grama, Gramática, regra, oras... Não me desperta do sono, desperta sensações: momentos, risadas, gargalhadas, reservados a átimos, orgasmos... O segundo é pouco pra tão muito, é o suficiente para o inesquecível.
Segundos não são lembrados na História, nas certidões, nos registros. O segundo não se precisa, o segundo é necessário... Não aparece no diário, não está em todo horário, tampouco faz aniversário, é movimento, é o tudo, o segundo não pára. Segundos são peculiares, subjetivos, escorregadios. Cada um com a sua marcação, concepção... E daí sua identidade, daí sua poesia. Experimente olhar o relógio ao lado, será que existe alguma sincronia?
Coadjuvantes que roubam a cena, na passagem de ano, quando os contamos de forma regressiva para esperar o progresso na desordem. Segundo frágil que não quer que se quebre, segundo ágil como o passo da lebre e o meu relógio preso na parede, solto no tempo, para que eu me perca tentando me achar.
Anterior ao beijo, ao salto, ao boom da bomba, ao gatilho, ao gol, à morte. Apreensão! Prende a gente em reflexão... Tem segundo que dura um filme, uma vida, outros duram uma fração, um piscar de olhos, a ínfima parte da visão. Um segundo pra perceber a finitude de um segundo, da vida. Um segundo pra se ver dentro dele, como se refletido numa fonte, sentir a beleza da existência a cada singelo instante.
Meu relógio é peça preciosa, é música pra marcar o tempo, é poeta que atua, pintor que compõe, ator que escreve com lápis sem ponta, mas com ponteiros, onde um barulhinho bom invade o silêncio. Tique-taque dó-re-mi... Um segundo pra disseminar, reverberar, musicalizar, tocar o coração alheio, pisar em solo sagrado. Tudo ao mesmo tempo agora. Quem souber, com um segundo, poderá fazer a hora.

quinta-feira, 19 de março de 2009

ANOSVERSADOS



Era um dia místico: 19 de Março. Dia da escola, do carpinteiro, do artesão. Dia de saber se vai ter seca no Sertão, das águas de Março fechando o Verão. Dia de São José, que quase me rendeu um nome composto, proposto por meu avô. José Alan! A intenção era boa, o nome não. Era o dia de todos os anjos, de proteção, que me fizeram somente Alan naquela manhã sob aquele parto.
Um bebê que nasce e não chora... Um silêncio analítico e protestante, da dúvida de saber para onde estão fui cuspido, ou ainda a certeza de já, desde o primeiro segundo, destoar do coro, sabotar as previsões, desafiar a criação, a lei, o protocolo e o colo de quem me acolhera que, por eu não ter dado mão à palmatória, deu-me a primeira palmada na vida.
Hoje, dispenso os cometas, as felicitações rasas, os clichês, a superficialidade, o Natal fora de época, os presentes e as presenças indesejáveis, as promoções dos operadores de telemarketing, os reféns dos parabéns, os confeitos e os confetes. Hoje sou eu comigo mesmo, e sinto, e penso e logo lembro do que nem é tão saudoso, mas é saudável. Existo.
Foi o tapa no rosto do padre, seus óculos fugazes caídos na água benta... Um batismo que poderia ter me rendido quase uma excomunhão, antes mesmo de saber quem era, quem eram, a que Era eu pertencia ou qual era o erro. Nós, quando pequeninos, não damos sossego...
O caminho do mistério aponta pra dentro e nada melhor do que mergulhar em si para enxergar, ir além sem lentes de aumento. O que sou e o que sei, e o que sei por ser quem sou e o que sou por ser quem sabe, quem saberá? Quem sentirá se não a mim, a mente, sentidos, os signos e as certezas de que nada é certo.



Veio a paisagem do alto, dos sonhos. Da realidade dos canos de descarga direto no asfalto e os canos munidos de bala, a vala e a viela. A nobreza de ser pobre: a fala da favela. Vieram as descobertas do corpo, os atropelos na fala, os pelos, a pele, o púbis, as guerras, as brigas, o ferro de passar prendendo a lombriga, o não saber, não entender, o isolar-se, intimidar-se... Os livros, as notas e não ser notado, as marcas, o rosto e os rótulos.
Veio o mundo aos montes. Um sopapo: ser pop, ter papo, tomar sopa de assunto e assentar-me. Daí o rock, daí a bossa, daí a fossa e a poesia. O colégio chique, a casa em choque e o futuro em cheque. O vestibular, ser irregular, passar, não gostar, parar, trabalhar, voltar e continuar. Aprender...
A maré que leva o pai, os sonhos e a paz. A maré que nos alaga e nada alega, e logo lava a morada, o muro e a mera esperança na correnteza, que mira na incerteza, e mora no desapego, que desagrega, que fala grego e requer sabedoria e destreza. E aí o que diferencia, além das marcas, além das nádegas, além do nada que não me aprisiona: o questionamento, a indagação. – Uma vida sem isso não merece ser vivida, disse Platão.
Tem gente que acha que sabe tudo, tem gente que acha que nada sabe. Tem gente que dança e é julgado como louco por quem não sabe escutar a música. Tem gente que dança conforme a música, tem gente que compõe a sua própria... Vai entender... Quero entender! Talvez se o cérebro humano fosse simples seríamos ainda mais tolos e não conseguiríamos decifrá-lo.



Há nisso tudo uma inquietação, um tormento bom, a primeira banda, um primeiro beijo, um trago de inspiração. Por isso escrevo, pois habitamos o mesmo mundo, porque nos separamos só por espaço, não por coração. Escrevo porque a escrita é um silêncio que faz barulho, sereno, veneno ás avessas.
Escrevo e sou parte de um livro. Mas, e se a minha história é escrita por alguém que é ficção? E eu, a sombra de uma sombra? E se todos os diálogos são monólogos e a vida uma peça, um drama, a pequena peça de um jogo de encaixe.
Hoje algumas rugas ensaiam me rasgar o rosto, algumas dores nas esquinas do corpo. Eu ainda não sou nada, mas quem, ainda, é? Há um amor verdadeiro que me rege, há arte pra brincar com os sentidos e só na arte se é totalmente livre. Só com a arte nos aproximamos do indizível e construímos nossas próprias regras, nosso próprio mundo, como um Deus.
Tudo escrito? Escrevo ainda... Como se a pirâmide fosse o envelope, e a múmia, então, a carta. E aí não há lápide, haverá sempre um lápis que fará nascer sementes no meu cimento.
Escrevo pra não morrer.

sábado, 14 de março de 2009

VENDO A MIM MESMO



Vendo a mim mesmo.
Ouvindo Rock.
Cheirando a mofo.
Comendo pizza.
Batendo palma.
Eu poderia estar matando (o tempo), poderia estar roubando (beijos), poderia ainda estar assassinando a Gramática ou usando o gerúndio de outras formas sofríveis, sofrendo ouvindo Wando, etc... Mas tô aqui, "escrevendendo" palavras, sem slogans, vitrines ou autofalantes. Desclassificado. Único dono, sempre novo, completo... Quantas portas quiser: a percepção está sempre aberta. Kit Quer, Kit Fala, Kit Ama. Que te importa? Combustível-Motivação.
Aceita-se troca (de ideias). Não se tem preço. Deixe o que quiser, fica a seu critério. Qualquer "olá" é bem recebido. Passo o chapéu ao final do texto. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três... Volte outra vez! Ame-me ou deixe-me... Quem dá mais? Pegue e leve!

Está instalado desde as trocas, desde as putas, desde os Feudos, desde as rifas, Capitanias, Mercantilistas, a comercialização do todo, de tudo, de si. Os governos dos países vendidos adequaram-se então à nova ordem: A vacina BCG será substituída por etiquetas acopladas ao pescoço dos bebês, batizada agora de PMG. Na ciência, o DNA dará lugar ao código de barras. Cartilhas virão em forma de out-doors, editoras terão como best seller as Páginas Amarelas. Nossas crianças deixarão os gibis de lado, fascinadas pelos Classificados.
Multiplica-se. O resultado é produto. Suas fezes servem de adubo, seus cabelos poderão render uma volumosa peruca e o sêmen que você externa é o menu do banco de esperma. Cueca usada, toalha suada, foto rabiscada... Tudo tem valor no Mercado-Mundo.
Vende-se a fé, o sonho, prazer, fórmulas, segurança, beleza... Tá tudo aí padronizado, abstrato, inato, impalpável. Vende-se sem ter posse, sem saber de onde vem: a alma, a Amazônia. Made in sabe-se lá... É o fenômeno da subjetivação da produção.
Vende-se a imagem, o status, e prolifera-se. Somos placa itinerante. Estampando... Tapados... Não remunerados... O sorriso jovial do comercial, a marca dos pés à cabeça, ego inflado, coisa de pele, gado marcado, vendendo saúde. Vende-se a morte em maços para as massas, engarrafando-os, engarrafadas.

E nós, compramos vendo ou vendados? E os sofismas, e os sofistas, e nós enganados? Eles colocam à venda, nós colocamos a venda. O eterno "gato por lebre". Não perca! - Pague dois e leve três! - Um é cinco, três é dez! Liquidação de nós mesmos.
Vendo a mim mesmo para desvendar o que há aqui dentro. Vendo a mim mesmo para ocultar o que estaria vendo. Emitir ou omitir a imagem? No espelho me espalho. Atolo-me em questionamentos. Retalho, sou tolo, espantalho... Tento afugentar os corvos. E a quem me arremate, peço piedade, que não me mate, que me conserve sem corantes e agrotóxicos...
Leilão.
Visão.
Escuridão.
Só não se vendem os conselhos, mas os venderiam se fossem bons.

sexta-feira, 6 de março de 2009

O Breve-Longo Conto de Radar



Inclinava-se para o efêmero, seu nome era Radar. Era Primeiro de Novembro, véspera do feriado de Finados (ele foi gerado numa rapidinha de Quarta-Feira de Cinzas). Seu pai chamava-se Fher, sua mãe Ida, e por um daqueles modismos, decidiram batizar a menina, anunciada pela ultrassonografia, de 'Fherida', a junção do nome dos dois. Quis o destino que viesse um menino, para a criança não ter de carregar tal peso. Ele nasceu leve e diante da suspresa pelo seu sexo, ficou sem nome durante algumas horas.
Ida queria logo vencer a fila gigantesca do cartório para o registro de crianças. Projetava-se longe dali e pensava apenas na estranheza de ver nascer um filho no dia anterior à celebração da morte. Bateu três vezes na madeira e disse: - Radar!
O escrivão, em final de expediente, não objetou. "- Radar de quê!?" Nem ao menos perguntou. Olhou o relógio, sorriu e disse: - Cinco da tarde. Tarde... Radar... Cinco letras! Assim como a palavra 'cinco'. Vai ser o número da sorte do seu filho, minha senhora.
Nem havia completado cinco anos de idade, e Radar já gostava de adiantar os ponteiros do relógio. Na tevê, assistia ao Speed Racer, Ligeirinho e The Flash. Aprendeu Libras pra gesticular enquanto falava e adorava proferir a expressão: é uma mão na roda. Não era superdotado, apenas terminava as provas antes dos outros na escola. Mais que passar direto, queria passar despercebido. Anotava monossílabos, siglas e tudo que pudesse simplificar o fado, a foda de sua existência. Quando criança já era só. Corria...



Fazia questão de comer em fast-foods, fazia questão de "comer" em prostíbulos. Nem se preocupava com os nomes, nem dos pratos, nem das belas. Pagava à vista. Tinha indigestão. Tinha ejaculação precoce. Nunca foi constante, não lhe agradavam os contratos longos, casamentos, vínculos empregatícios... Elo pra ele só o materno, coisa de sangue. Nunca amou mulher alguma além de sua mãe.
Antevia, desvendava, tinha faro. Foi sondado pela polícia e pelo tráfico para prestar seus serviços. Dispensara... Gabava-se apenas de ter gravado de primeira os mais de duzentos versos de "Faroeste Caboclo". Acabou no Jornalismo, viajou para longe. Não para o Faroeste, mas usou seu faro para o furo de reportagem. Soube e sabia demais, sentiu-se ameaçado e pensou na tecnologia.
Fez curso de leitura dinâmica. Matriculava-se apenas em intensivões, supletivos e cursos de final de semana. Era econômico com as palavras, falava como se escreve hoje na internet numa época em que ainda nem se sabia o que era 'Cyber Português'. No seu caderninho curto, abreviações de coisas que só conheceríamos anos mais tarde: www, LP, CD, PC, MP3, DVD, LG, MTV, TNT, PT... Mas nunca quis divulgar seus inventos. Levaria tempo demais...
Dizem que ele idealizou o projeto do trem-bala, na música, compôs o "Samba de uma nota só", nos negócios era dono da Viação Cometa e até na política, inspirou o Dr. Enéas e tantos outros a inventarem bordões de modo a chamar a atenção, evidenciando apenas seus nomes e números.
Estabeleceu também, que as pessoas se refeririam a tempo, quando na dúvida sobre distância. Exemplo: - O mercado fica a quanto tempo do Centro? Em vez de: - A quantos quilômetros de distância... Recomendava... Porém, nem Física, nem Matemática, tampouco a História foram capazes de registrar uma linha sequer de seus pensamentos. Ele passou rápido demais.
Não tinha paciência, e por não ser paciente nunca tinha ido ao médico. Sabia que naquele ritmo entraria em colapso brevemente. Afinal, seus cabelos brancos vieram aos 20, as rugas aos 25, a arritmia aos 30 e antes mesmo dos 40 anos alguns sinais de Parkison já davam indícios da chegada. Mas dizia estar bem, malhava... Duplicava o peso para diminuir o tempo das séries. Sua vida era uma metrópole. Acelerava...



Seu carro ia de 0 a 100 Km/h em singelos 3 segundos. A máquina era um "Bora" e tinha a seguinte escritura adesivada em seu vidro traseiro: "KD?" Num dia desses de se querer furar o vento, seu possante chocou-se contra um poste de alta tensão. O acidente não durou mais que dez segundos, foi tudo muito rápido, como sempre. Um grande clarão se abriu, como se levando Radar a CTI na velocidade da luz, onde permanaceu na escuridão do estado de coma por 6 duradouros meses.
Ainda em estado vegetativo, Radar projetava seu velório: Não duraria mais que 30 minutos. Um salão alugado, com luzes quase findadas em velas pela metade sobre candelabros prestes a visitar as latas de lixo, em cestos que são trocados de hora em hora... O acidente lhe tirou o movimento das pernas, e a vida, que lhe pregara uma peça, deu-lhe mais 60 anos de peso ou redenção, a critério de seu dono.
Radar passou a fazer o que nunca fizera: ouviu o lado B de antigos discos, atentou para a opinião alheia, para as crônicas, para o som da respiração de quem via dormindo profundamente ou dos seus próprios suspiros enquanto ainda acordado. Sentiu aromas, saboreou gostos, tocou seu rosto que definhava e desconfiava do que seus olhos já chispantes e pouco precisos tentavam enxergar. Leu. Escreveu sua história na forma de um conto, mas nunca contou exatamente nada de sua vida antes da despedida.
E aos 120 anos de idade, no quarto de seu apartamento, acomodada sobre uma cadeira de rodas, tombada com a testa recostada em um notebook obeso e obsoleto de seu dono, findava a vida de Radar. No exato momento em que as pilhas de seu relógio de parede sucumbiam ao silêncio dos ponteiros e a imobilidade dos mesmos impedia o velho Radar de estar, como nos tempos de criança, à frente de seu tempo.

segunda-feira, 2 de março de 2009

FILME FOLIÃO



Quem dera, quisera eu... Quimera já feneceu. Pudera, fim de uma era, assim, sincera. Resquícios de um apogeu.
Não me compete mais jogar confete em ti. Atirar serpentina... Seus tempos de menina, meus tempos de moleque.
Te vi prioridade visto como opção. O amar-te sem idade amou-te ancião. As rosas amassadas, por ti abreviadas, perfumaram sua mão.
E de um semblante triste, recorte que persiste, recordo a razão rasurada. Lembrança bem cunhada de um filme folião.