segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

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Um quarto dentro de uma casa dentro de um quarto dentro de uma casa... A tevê dentro da tevê dentro da tevê. E essa sensação de ficar cozinhando cozinha, fritando frigideira, cavando pá... O cachorro correndo atrás do próprio rabo, meter-se em si sem saber sair.
Uma barra, um pedaço, a mordida imprecisa no chocolate. A metade da metade, a parcela, a porcentagem, o problema da quarta série, brincar... Monta logo esse Lego e aluga o lugar. E a cruz na pizza que é um quarto de hora e não demora para esfriar.
Quarto é privação: - Já para o seu quarto, de castigo, sem video game nem ver o amigo até aprender a lição! E lá se chora na cama que é lugar quente e chora também o quarto na disputa, que fica sem pódio e sem bronze, não leva nada na competição.

Quarto-locação! Aluga-se, vende-se para temporada e para excursão. Sujeito à mudança que faz o preço pesar na balança como se fosse o de um quarteirão. Quarto de luxo ou não, para se dormir debaixo de um teto, um canto, cafofo, muquifo, budega, pensão...
Seu quarto é a casa ao quadrado, mesmo que ele seja retangular. Se a casa é sistema, o quarto é orgão e vê-se isso nas paredes, nos quadros, nos pôsters, nos dardos. Lê-se na pintura, nas rachaduras, no reboco, na nossa fragilidade sujeita a reboque, no interruptor que dá choque, que é luz e inspiração sem interrupção.



Quarto-privacidade, individualidade, cada um no seu quadrado. Quarto NA casa que não é um quarto DA casa. Relação, proporção, Geometria e Engenharia e quem sabe a Biologia, sim, pra dizer o que seria um quarto de mim.
Quarto-repouso, cheiro de roupa de cama, toalha molhada, travesseiro fofo e até um colchão. Aquele cansaço, o sono no corpo que onde se deita parece até pista e a gente o avião.
Quarto para se isolar, no pânico, na reclusão. Separações, mosaicos, repartições, Aristóteles.
Quarto para dois, uma suíte, sweet, doce. Quarto para unção, junção, de corpos, amor, Platão.
Do azulejo que não é azul até o azul do céu sobre o teto. Amar é um verbo no quarto que não tenho.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Panis et Big Brothers



Imagine aquela sua tia meio bigoduda, desgarrada da família, que adora meter-se na vida de qualquer um. Agora tente vê-la mergulhada na fonte da juventude e da exuberância do silicone, na companhia de mais meia dúzia de Gertrudes popozudas. Lembre-se que ela fala muito, ficaria melhor de boca calada, mas quem tem boca vai a Roma. E eu também vou. Você me acompanha?
A "Política do Pão e Circo" (Panis et Circensis) ficou famosa no Império Romano de séculos ainda antes de Cristo, caracterizada pela prática do Estado de promover espetáculos como lutas entre gladiadores ou corridas de biga, e dessa forma manter os plebeus longe da política e das decisões sociais.
Quando Júlio César, o Imperador, proferiu a frase: "Para o povo pão e circo", não imaginou que alguns milhares de anos depois, José Bonifácio e sua equipe criassem slogans tais como: "você não perde por espiar". É conhecido que durante o Império Romano os espetáculos ocupavam no mínimo 182 dias do calendário anual, já a atração Global chega perto dos 100 dias a cada edição. Se a distribuição de pães era feita no Pórtico de Minicius, a distribuição de massa (de manobra?) do Big Brother Brasil é feita em alta tecnologia e atinge (ou perfura?) boa parte dos lares (populares ou não) em nosso território.



Onde ouvia-se: - ALIMENTE-OS E DISTRAIA-OS, poderia escutar-se: - ALIENE-OS e DESTRUA-OS. Era só uma questão de interpretação dos conteúdos lotados de coisas vazias. No país da energia desperdiçada, carente de representantes dignos, onde não se tempo para o que se requer tempo e se projetam heróis em linhas de produção (ver últimos dois posts) idolatra-se e reclama-se.
Lê-se notícias do paredão do dia anterior no ônibus lotado da manhã sonolenta. O emparedado da manchete será o milionário do próximo mês, o espectador ingênuo é o emparedado social de todo dia. A submissão é tamanha, lembra até em alguns momentos o deslumbre dos primeiros usuários daquela pesada caixa de madeira, a televisão que chegara ao Brasil há décadas. Perceba a linha tênue que separa o que lhe apenas apetece ( e apetecer vem de apetite) do que lhe acrescenta. É como ter fome e trocar o almoço da sua avó por um hambúrguer.
O BBB invade a sua casa ao longo de quase 3 meses, o "brother" vira seu hóspede, protagoniza suas discussões e debates e dali a uns 6 meses nem tem mais o nome lembrado... Vê-se que o sujeito não trouxe nada de muito produtivo para a sua vida, de acordo? Essa relação espectro-escravo-espectador foi muito bem lembrada na música "Até Quando?" de Gabriel, o Pensador, quando o mesmo canta: "A programação existe pra manter você na frente/ na frente da tevê/ que é pra te entreter/ que é pra você não ver que o programado é você..."
Não que eu não tenha curiosidade, também sou humano, mas o que eu queria mesmo era ser voyeur daquele castelo com 8 torres, avaliado em R$ 25 milhões, coisa fina que o deputado Edimar Moreira (DEM-MG) montou com o faturamento das suas empresas de segurança, assegura ele sem precisar ir ao confessionário. Lá as câmeras seriam interessantes, talvez não dariam tanta audiência... O povo não tem interesse em ser detetive de causa própria.

O que me incomoda de fato na atração Global é a contradição com o seu maior apelo: o convívio de pessoas totalmente diferentes, privadas de sua liberdade. A pouca diversidade é notória, e nem os belos textos, citações e referências de Pedro Bial, antes das noites decisivas, conseguem desmantelar essa, digamos, má impressão quanto ao processo seletivo dos participantes.
Diversidade, senhores, não se alcança colocando uma dúzia de seres na plenitude de sua forma física, com interesses parecidos e de classes sociais equiparadas para o confinamento. Não acredito que com bichos a experiência seria muito diferente: competição por espaço, influência e liderança, brigas, formação de casais e tudo isso que no final das contas acaba alavancando os índices de audiência.
Se a comparação foi pesada, peço desculpas, não é só Lacan e a Psicanálise que são apaixonados pela complexibilidade da mente humana, mas por que não um policial, um ex-presidiário, um morador de uma favela, um milionário, uma perua, um hippie, um professor, um estudante, albino, negro, homossexual, deficiente físico, adolescente? A sugestão é sempre válida, não faltariam perfis e prosas interessantes. É quando vem à tona as diferenças que surgem os melhores ensinamentos, não com caricaturas formadas em ilhas de edição. Precisamos de histórias de vida diversas, algum "antes" que acrescente ao "depois".



Afinal, O Big Brother é a sua vida, somos nós confinados na rotina diária do mundo moderno, convivendo as mil maravilhas e as turras com gente que nos quer bem, que nos quer pra eles, que quer ser quem somos, que nos ignoram, que nem sabem da sua existência ou vivem em função de você. Somos nós em busca de reconhecimento, nos expondo e depois nos retraindo quando nos mostramos demais. O BBB é a sua vida e você ainda quer um show de realidade?
Se você não assiste ao programa e no dia seguinte fica sem assunto na roda de amigos, na escola ou no trabalho, não se importe tanto, externe sua opinião mas não se magoe por ser talvez ser execrado. Muitos foram, tantos sábios. Mas se bater a curiosidade em assistir, importe-se menos ainda, afinal de contas, em algum momento, todos temos direito aos nossos 15 minutos de LAMA.